Eu sou morena, com cabelos negros, compridos e fartos, um dos meus tataravós provavelmente foi índio. Mitja é um jovem europeu, loiro de olhos azuis e “bonitão“- segundo minha tia de 83 anos.
Nascida e criada no interior de SP, numa cidade pequena, com 8000 habitantes, sem cinemas, nem livrarias, não era difícil imaginar que grande parte dos meus amigos e familiares iriam ver meu namoro com um europeu com muita curiosidade e entusiasmo.
Então vieram as comparações, os apelidos… Uma amiga que gosta de literatura nacional, comparou-nos ao casal Iracema e Martim, personagens de um famoso romance de José de Alencar. Quando cheguei na Eslovênia, os amigos do Mitja, brincando, chamavam-me Pocahontas.
A cena mais hilária e certamente constrangedora aconteceu na Eslovênia. Azarada, saí para compras no shopping com vestido marrom, colar e brincos azuis na mesma época em que entrou em cartaz o novo desenho animado Pocahontas!
Sim, fui praticamente obrigada a pagar o mico e posar ao lado do cartaz para ser fotografada. Tenho a foto até hoje. Não, não coloco no post. Não, não mostro para ninguém.
Nunca vi o bendito desenho, só li informações históricas sobre o que deve ter sido este trágico romance.
Já o livro Iracema, veio parar nas minhas mãos de maneira engraçada, minha filha, com apenas dois anos, trouxe-o para mim. Temos muitos livros em casa, este meu marido havia comprado há 10 anos atrás na esperança de aprender português em sua primeira viagem ao Brasil. Achei que era hora de ler o livro. Quando terminei de ler o livro, achei que era hora de escrever este post.
Como a seca várzea, com a vinda do inverno reverdece e se matiza de flores, a formosa filha do sertão, com a volta do esposo, reanimou-se; e sua beleza esmaltou-se de meigos e ternos sorrisos. Outra vez sua graça encheu os olhos do cristão e a alegria voltou a habitar sua alma. O cristão amou a filha do sertão, como nos primeiros dias quando parece que o tempo nunca poderá estancar o coração. Mas breves sóis bastaram para murchar aquelas flores de uma alma exilada da pátria.
O imbu, filho da serra, se nasce na várzea porque o vento ou as aves trouxeram a semente, vinga, achando boa terra e fresca sombra; talvez um dia cope a verde folhagem e enflore. Mas basta um sopro do mar para tudo murchar. As folhas lastram o chão; as flores, leva-as a brisa. Como o imbu na várzea, era o coração do guerreiro branco na terra selvagem. A amizade e o amor e o fortaleceram durante algum tempo, mas agora, longe de sua casa e de seus irmãos, sentia-se ermo. O amigo e a esposa não bastavam mais à sua existência, cheia de grandes desejos e nobres ambições.
(…)
A esse monte subia o cristão; e lá ficava cismado em seu destino. Às vezes lhe vinha à mente a ideia de tornar à sua terra e aos seus; mas ele sabia que Iracema o acompanharia; e essa lembrança lhe remordeu o coração. Cada passo mais que afastasse dos campos nativos a filha dos tabajaras, agora que ela não tinha ninho de seu coração para abrigar-se era uma porção da vida que lhe roubava.
O amor de Martim por Iracema não foi o suficiente para mantê-lo feliz no Brasil. Ele sentia saudades de sua terra, de seus familiares, de viver a vida como a havia idealizado, de realizar suas ambições. Viver com Iracema era doce, mas sentia-se decepado de um pouco da vida, vivia pela metade.
Isso é o que quero discutir no post, a tristeza de Martim, o viver pela metade.
Já conheci várias moças que vieram para cá, não se adaptaram e saíram do país. Umas terminaram o casamento, outras mudaram com o marido para outro lugar.
Antes de decidir fazer as malas e vir morar com o grande amor da sua vida na Eslovênia, você deveria fazer-se algumas perguntas.
Você já morou fora? Já morou longe de seus pais? Já dividiu apartamento? Morou sozinha? Fez intercâmbio? Já morou em outro país? Mudou de cidade enquanto jovem?
O que tenho notado é que quanto mais jovem se é, maior é a dificuldade em se adaptar à vida na Eslovênia. Uma jovem, recém saída do segundo grau, que sempre morou com os pais, bastante sociável e comunicativa, com inúmeros amigos, pode certamente ter dificuldades em morar num vilarejo pequeno, nos meios da montanhas, sem amigos, sem facilidade para criar novos laços sociais.
É mais fácil morar aqui quando você já saiu da casas dos pais, quando já fez intercâmbio, já morou em república, já mudou de cidade. Enfim, quando já vivenciou as primeiras separações da vida, as primeiras perdas. Eu mudei 12 vezes antes de vir para cá! Vários foram os motivos, estudo, trabalho, família. Mas sempre fiz novos amigos e tentei me acostumar com aquela dorzinha no peito que sempre irá existir quando se sente saudades daqueles que deixou.
Você sente-se bem estando sozinha?
Há pessoas que tem necessidade de estar sempre acompanhadas. Se você não fala inglês, precisará de um tempo muito maior para fazer amigos, entrar no mercado de trabalho, criar novos laços sociais. Seu parceiro ou parceira provavelmente irá trabalhar. Eu gosto de estar sozinha porque gosto de fazer atividades que só se faz quando se está só, como ler, estudar…, mesmo assim, de vez em quando sinto falta de ligar para aquelas amigas que cresceram comigo e saber que à noite poderei encontrá-las para jogar conversa fora.
Será que vai sofrer se ficar um tempo, ou mesmo vários anos longe do mercado de trabalho?
Quem tem como maior sonho de vida constituir família, quem gosta de ser dona-de-casa, pode ter menos dificuldade em se adaptar na Eslovênia do que uma workaholic, saída do corporativo de algum escritório em Alphaville/SP.
Ok, eu citei dois extremos. Mas, sim, gostar ou não de morar na Eslovênia depende muito dos seus projetos pessoais e das facilidades que encontrará para realizá-los. Conheço brasileiros que entraram na faculdade na Eslovênia, conheço brasileiros que estão tentando entrar no mercado de trabalho e ainda não conseguiram, outros que já conseguiram, outros que tiveram filhos e a inserção no mercado não é urgente… Você deve se perguntar “Quais são suas expectativas em relação ao mercado de trabalho? “E se informar quais são as dificuldades e quais são as oportunidades que terá para alcançá-las.
Seu(ua) parceiro(a) tem grande capacidade de empatia?
Cansei de ouvir histórias de brasileiras e latinas que brigaram com o marido porque sentiam-se mal-humoradas por causa do tempo, pela falta do sol, pela falta de amigos, pela falta de companhia… E antes mesmo de se perceberem que estas eram as possíveis causas do mal humor já tinham tratado o marido com rispidez. Sim, há também famosa depressão de inverno. Você deveria informar-se sobre ela antes de vir para cá. Meu marido diz que eu fico diferente entre os meses de fevereiro e maio, segundo ele, nessa época não pareço tão animada ou feliz. Eu dou risada quando ele fala isso, mas também sou grata pela paciência que ele tem comigo. Todos sabem que casais passam por desafios, por problemas, mas casais, cujos pares são de culturas diferentes, os desafios podem ser muito maiores. Se uma esposa eslovena pode discutir com o marido sobre onde irão passar as férias de verão, uma esposa brasileira pode sentir-se irritada por ter saudades, por ter solidão, por querer trabalhar, por não aguentar os longos meses de inverno ou por não conseguir aprender rapidamente o idioma esloveno. A diferença é que as férias de verão chega e vai embora, já os outros dilemas não são tão fáceis de serem resolvidos quando se é estrangeira. O marido precisa ser empático, precisa ser alguém que gosta de ouvir, alguém disposto a ser o ombro amigo, acima de tudo, um parceiro.
Você realmente conhece o lugar onde irá morar?
Eu adoro Liubliana. Ela tem muitas atrações culturais, opções de lazer, o centro histórico é romântico, charmoso. Aqui eu me sinto bem. Não sei se eu seria feliz morando em outro lugar. Eu não moro na capital eslovena, mas moro há 12 minutos de distância dela. Liubliana também concentra a maior parte da comunidade brasileira. Então, morando aqui tenho mais possibilidade de participar dos eventos organizados pela Embaixada. E se lembrar que a maior parte de comunidade brasileira mora em Liubliana ou em seus arredores, posso também afirmar, que morando aqui tenho mais possibilidade de encontrar brasileiros e fazer novos amigos.
Eu não gostei de morar em Koper. Koper está localizada no litoral esloveno, a sexta maior cidade da Eslovênia, mas ainda assim só tem 25.000 habitantes! Só conhecia 1 brasileiro que morava lá e raramente tinha contato com ele. Eu queria estudar, todos os cursos de pós-graduação em Psicologia ficavam em Liubliana, como não dirigia, usava o trem ou o ônibus, eram 3 horas gastas com transporte só na ida! Isso é um dado que você deve levar em consideração se quer estudar no país. A grande maioria dos cursos são oferecidos na capital eslovena; Há universidade em Koper, mas esta não abrange todas as áreas.
Confesso também que senti-me bastante frustada após inscrever-me em 2 escolas que ofereciam cursos de inglês para aprimorar minha fala e mesmo após dois anos de espera, a escola não havia alunos suficientes para abrir novas turmas. É… dificuldades de se morar em cidade pequena. Em Koper entre os meses de outubro a maio, todos os comércios, restaurantes, fechavam às 20:30h!. Uma vez eu planejei um jantar romântico com o marido, cheguei às 20:00 no restaurante e fui informada que a cozinha já estava sendo limpa e os pratos não seriam mais servidos! Era uma sexta-feira noite e não tinha nada para fazer! Comemos Kebab na rua.
Quando morei em Koper, pude entender as queixas de várias brasileiras que moram em cidades pequenas na Eslovênia. Longe dos meus amigos e familiares e também longe dos familiares e amigos do marido, sentia-me só, mesmo eu, que gosto de estar só.
Quando pergunto “Onde você irá morar?” também peço que saiba antes de vir para cá como será sua residência. No socialismo os eslovenos construiram casas imensas. Com o atual preço alto de aluguéis e de imóveis, é comum ver filhos que transformaram um andar da casa dos pais em seu apartamento. Estes apartamentos podem ou não ter entradas separadas. Isso é uma diferença cultural que nem todas as brasileiras se adaptam. Eu diria, depende da sogra ou do quanto esta gosta de te dar “conselhos”.
Você sabia que a maior parte do tempo as janelas das casas estão sempre fechadas, consegue conviver com isso?
No inverno as janelas só são abertas por poucos minutos para ventilar a casa. No verão as janelas só ficam abertas durante a noite e nas primeiras horas manhã. As casas eslovenas tem isolamento e paredes grossas. A prática de manter as janelas fechadas ajuda manter a casa mais fresca e agradável.
Você sabia que no inverno, as ruas tendem a ficar quase desertas, as folhas caem, o verde desaparece. Tal imagem a(o) deprime? Cientificamente deprime outras pessoas, leve isso em consideração.
Conheço um monte de brasileiros que adoram o frio, acham-o “chic”. Mas adoram o frio de Barichole ou Campos de Jordão! E por alguns dias! Não é deste frio que estou falando! Falo de nove 9 meses de frio por ano! Falo do nada “chic” ir ao supermercado a pé com um frio de -12 graus, que te corta o rosto! Ou esperar meia hora pelo ônibus no frio congelante. Por falar em esperar ônibus, uma dica, não venha para cá sem licença para dirigir. Tire licença no Brasil, acredite, vai levar tempo, talvez anos para você conhecer o idioma esloveno o suficiente para conseguir fazer a prova teóricas ou entender o curso de primeiros socorros.
Como você lida com sua aparência? É importante para você ter unhas feitas toda semana e cabelo impecavelmente liso?
Sim, já ouvi brasileiras dizerem que estavam bastante chateadas, porque aqui não há produto que faça alisamento definitivo de cabelo. Algumas delas resolveram trazer produtos do Brasil, outras aprenderam sozinha escovar seus cabelos.Manicure aqui pode custar 40,00 euros, minha sogra paga para fazer 60,00 pé e mão. As eslovenas não fazem unhas com profissionais toda semana, fazem apenas para eventos especiais.
Você sabe quanto é o custo de vida na Eslovênia? Quanto é o salário médio esloveno?
Estamos na Europa, a Eslovênia é um dos países mais igualitários do mundo sim. Mas lembre-se na Europa há os salários alemães, suíços, dinamarqueses, noruegos e há os salários dos gregos, dos portugueses, búlgaros, tchecos e croatos. Algumas pessoas que me escrevem miram o salário alemão ou que tem a fantasia que todo europeu é rico. Minha história favorita foi contata pelo falecido avô do Mitja. Uma moça veio morar na Eslovênia e seu noivo falou que era fazendeiro. Ela achou que o futuro marido fosse rico, mas ficou surpresa quando constatou o quão pequena era a “fazenda” dele. Esta apenas tinha 3 vacas e um trator. Na Eslovênia não temos chácara, sítio, tudo se chama fazenda e as fazendas daqui tem em média 5,9 vacas e 6,5 hectares.
Antes de vir para cá, assista filmes franceses, ou outros filmes do cinema europeu que mostram a classe média ou a classe trabalhadora. A classe média alta brasileira despende muito mais dinheiro que os europeus com conforto, serviços e status.
Você tinha empregada doméstica no Brasil? Pode se acostumar com a ideia de fazer seus próprios trabalhos domésticos?
Faxineira aqui custa entre 10 a 13 euros por hora.
Por que sugerindo estas perguntas? – E se o post não estivesse tão grande sugeria outras tantas – Porque há 7 anos tenho este blog e tenho recebido inúmeros emails, vários deles são de moças apaixonadas que só querem estar ao lado do grande amor da suas vidas. E é compreensível que estas apresentem dificuldades em visualizar questões práticas do dia-a-dia ou de imaginar os obstáculos que virão já que nunca passaram por situação semelhante.
Mesmo que tudo dê certo, que o cônjuge seja ótimo, que você tenha um lugar para chamar de seu, que tenha amigos, família… morar fora vai doer, às vezes vai doer sim. A dor será causada pelas diferenças culturais, pela saudades dos amigos e dos familiares, pelos desafios que é se inserir em um novo país, em começar tudo de novo.
O que estou sugerindo para você caro(a) leitor(a) que está querendo vir morar aqui, é que informe-se, imagine-se dentro de inúmeras situações e pergunte-se como você se sentiria. Pergunte-se o que Lacan nos pergunta. “Você realmente quer o que deseja?”.
Muito útil e muito legal seu post!!!
As pessoas se esquecem fácil de que todo ato tem suas consequências.
Obrigada!
Muito bom! Vc realmente está ajudando muitas pessoas a decidir com os pés no chão.
Grata!
Excelente post ! Vivo na Eslovênia a pouco mais de um ano e passo por isso tudo me identifiquei demais …
Obrigada Victor!
Que texto bonito mistura a fantasia com a realidade. Assim as pessoas podem refletir bem antes de tomar uma decisão. Parabéns pelas informações ❤Eu amo Slovenia❤
Que bom que gostou Alhiete!
Acompanho seu blog a uns 5 anos e esse é de longe o melhor post até hoje!
Auto conhecimento e informação, SEMPRE.
Adorei!
Obrigada Beatriz!
Amo este blog,ótimo post.
Obrigada Roberta!
Juliana, Deixo aqui prá para vc uma linda troca que aconteceu aqui em Curitiba, depois de um reencontro entrecortado por 23 anos. Dessa vez o eixo foi através do Poema de Manuel Bandeira. Gesto de intimidade partilhado prá vc. Abracos p ti Clo https://www.youtube.com/watch?v=fPMFujh6d8I
Obrigada Clo!
Eba! POST NOVO!